‘Não tinha para onde você fugir’, diz libanês naturalizado brasileiro que estava no primeiro avião de repatriados do Líbano


Rami Rkein é libanês naturalizado brasileiro e passou 17 dias sem conseguir sair do Líbano após tentar resgatar os pais, que são libaneses e continuam no país. Brasileiro repatriado do Líbano mostra área destruída após bombardeio no país
“Não tinha um lugar [a] salvo, não tinha para onde você fugir. […] O porta-voz do exército israelense escolhia às 2h, ao vivo na TV, colocava um alvo no mapa e dizia que iria bombardear aquele prédio. Davam 15 minutos para todo mundo fugir e começavam a bombardear o prédio e todo mundo ao redor”. O relato é do libanês naturalizado brasileiro Rami Rkein, de 40 anos, que estava no primeiro voo de brasileiros repatriados do Líbano.
O Líbano tem sido alvo de bombardeios aéreos no conflito entre Israel e o grupo extremista Hezbollah no território do país. Embora tenha atuação política no Líbano, a organização possui um braço armado com forte influência no país. Além disso, o Hezbollah é apoiado pelo Irã e é aliado dos terroristas do Hamas.
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O avião com 229 repatriados pousou na manhã do domingo (6), na base aérea de Guarulhos, em São Paulo. Entrevistado no programa Encontro desta segunda-feira (7), Rami — que é morador de Paulista, no Grande Recife — contou que viajou até o país natal para resgatar os pais idosos, mas acabou não conseguindo sair da área em meio aos bombardeios e passou 17 dias sem saber quando iria voltar para casa (veja vídeo acima).
Os ataques foram criticados por também atingirem civis. Dois brasileiros morreram desde a intensificação dos combates, em 20 de setembro. “Eu fui lá para resgatar meus pais e minha irmã. Meu pai tem 88 anos, está debilitado, muito doente. Eu tentei meu máximo, cheguei na Turquia, fiz escala lá e tinham acabado de bombardear o Líbano”, contou.
Rami e os pais durante a estadia dele no Líbano
Rami Rkein/Acervo Pessoal
Ao g1, ele também contou que, após o ter o voo cancelado na Turquia, precisou seguir por terra da Jordânia até o Líbano. “Foi terrível, tive muito medo. Você está no deserto e não sabe se vai chegar, cheio de guerrilhas, é uma rota de perigo mesmo, com bombardeios”, afirmou.
Quando conseguiu chegar à cidade de Dahye, onde os pais moravam, próximo a Beirute, um ataque mais forte foi iniciado. Além da tristeza de ver o prédio onde cresceu totalmente destruído, Rami relatou a dificuldade para comprar mantimentos básicos, como água e comida, e a tensão que a família passou.
Para se proteger, a família se escondeu no estacionamento subterrâneo do prédio onde a irmã de Rami mora, na cidade de Khalde. Durante esse período, a família se alimentava de água, arroz e coalhada. Mas, de acordo com ele, a situação piorou depois de um bombardeio na fronteira entre a Síria e o Líbano, por onde os alimentos entram.
“Eles colocam que tem armamento e estoque do Hezbollah, mas é tudo mentira. Eles estão fazendo o que fizeram em Gaza, bombardeando crianças, idosos, mulheres. Vamos supor que tinha armamento neste prédio ou embaixo dos hospitais que bombardearam, por que que não evacuaram todo mundo antes? O que está acontecendo é genocida. Infelizmente destruíram nossas casas, nossos sonhos, nossas vidas. Eu perdi quatro primos na guerra, é isso que todo mundo tem que saber”, disse Rami.
Libanês veio ao Brasil refugiado de guerra em 2006
A primeira vez que Rami veio ao Brasil foi em 2006, também em meio a um conflito entre o Líbano e Israel. Na época, ele tinha um visto de 30 dias, mas permaneceu em território brasileiro e passou quatro anos sem documentos, até ter a situação regularizada.
De início, ele trabalhava na fábrica de roupas de um primo, na cidade de Abreu e Lima, também no Grande Recife. Até que iniciou a carreira de síndico profissional, ocupação que exerce até hoje em condomínios de Paulista. Atualmente, ele é casado e tem um filho de 15 anos.
E foi com a ajuda da esposa que ele conseguiu visibilidade para a situação que enfrentava no país de origem. Após conceder entrevistas a diversos canais, incluindo a GloboNews, ele recebeu a notícia de que seu nome estava na lista dos repatriados.
“A primeira coisa que eu queria fazer era ajoelhar no chão brasileiro, agradecer a Deus, agradecer ao nosso presidente [Lula]. A gente imigrou, mas somos uma parte do Brasil também”, declarou.
Rami ajoelhou após chegar ao Brasil
TV Globo
Os pais de Rami, que são libaneses, não conseguiram sair do Líbano. Ele continuaram no estacionamento subterrâneo do prédio onde a irmã mora. De volta com a família, mas longe dos pais, Rami contou que não vai desistir de resgatá-los, mesmo com as limitações financeiras e de saúde deles.
“Meu pai está muito idoso já, muito delicado. Eles não têm passaporte e está tudo fechado lá. Vou seguir mesmo lutando para continuar a ajudar meus pais, vou continuar minha luta focando neles. […] A primeira coisa que minha mãe falou foi ‘graças a Deus que você está salvo'”, disse.
Ainda de acordo com Rami, um dos seus objetivos é combater o estigma do Oriente Médio e explicar às pessoas o impacto dos conflitos na vida dos civis.
“A guerra é uma desgraça, ninguém merece viver na miséria, ninguém merece viver na guerra. Nós não somos terroristas, nós somos cidadãos de bem. O mundo tem que enxergar o que está aconteceu no Líbano”, contou. “Não é uma guerra santa, não tem nada de guerra santa, é guerra de território. Aquilo é genocídio, eles tão matando mesmo”, complementou.
Brasileiros repatriados
Ao todo, quase 3 mil pessoas já demonstraram disposição para voltar ao Brasil, segundo o Ministério das Relações Exteriores. A maioria é de moradores do Vale do Bekaa e da capital, Beirute. De acordo com a Aeronáutica, o Brasil tem capacidade para buscar 500 pessoas por semana no Líbano.
De acordo com informações da FAB, 229 pessoas embarcaram no primeiro voo, que chegou ao Brasil no domingo (6), das quais 10 são crianças de colo. Além disso, também viajavam três animais domésticos.
A segunda viagem de repatriação de brasileiros e parentes próximos na Operação Raízes do Cedro resgatou 227 passageiros, incluindo 49 crianças, sendo 7 de colo, além de 3 pets. A aeronave KC-30 da Força Aérea brasileira (FAB) decolou na segunda-feira (7), por volta das 12h30 em Beirute.
O avião faz uma escala em Lisboa, Portugal, para reabastecimento. A previsão é que o voo chegue a Guarulhos na terça-feira (8), pela manhã. Portanto, até o momento 456 passageiros, entre brasileiros e familiares próximos, já foram resgatados.
Conflito armado e bombardeios
Hezbollah e Hamas atacam Israel, que segue bombardeios a Gaza, Beirute e ao sul do Líbano
O conflito entre Israel e os grupos extremistas Hezbollah e Hamas continua intenso na segunda-feira (7), data que marca um ano do início da guerra na Faixa de Gaza. Israel intensificou sua ofensiva aérea e terrestre em Gaza com mais ataques contra militantes do Hamas e postos de comando (veja vídeo acima).
Os extremistas têm bombardeado o norte de Israel desde outubro de 2023, em solidariedade aos terroristas do Hamas e às vítimas da guerra na Faixa de Gaza. Nos últimos meses, Israel e Hezbollah viveram um aumento nas tensões. Um comandante do grupo extremista foi morto em um ataque israelense no Líbano, em julho.
No mês seguinte, o grupo preparou uma resposta em larga escala contra Israel, que acabou sendo repelida. Mais recentemente, líderes israelenses emitiram uma série de avisos sobre o aumento de operações contra o Hezbollah. O gatilho para uma virada no conflito veio após vários pontos, como é possível conferir nesta reportagem.
* Estagiária sob a supervisão do editor Bruno Marinho.
Veja onde fica o Líbano
Arte/g1
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