O que aconteceu no Líbano durante as duas grandes invasões de Israel — e quais foram as consequências delas


Israel invadiu o Líbano em seis ocasiões. Em duas delas, grandes marcas foram deixadas na sociedade libanesa. Moradores da cidade portuária de Saida, no após fugirem de um bombardeio israelense realizado em julho de 2006.
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Nos últimos dias, Israel lançou uma série de ataques militares em alvos específicos no sul do Líbano, onde opera o grupo armado xiita Hezbollah.
O exército israelense também mobilizou tropas e alertou centenas de milhares de libaneses para deixarem suas casas e se mudarem para o norte do país. Entretanto, os bombardeios em Beirute, a capital do Líbano, que fica mais ao centro do país, continuam a acontecer e até se intensificaram.
Todos esses desdobramentos sugerem que a escalada da nova operação no Líbano será maior do que o inicialmente anunciado.
Embora esta seja a primeira incursão israelense no Líbano desde 2006, as gerações passadas foram marcadas por um histórico de invasões. Desde a independência do Líbano em 1943, Israel fez operações militares em território libanês em seis ocasiões.
A primeira delas ocorreu em 1978 e tinha como objetivo expulsar militantes palestinos da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) do sul do país.
“A operação foi curta, durou menos de uma semana, não atingiu todos os objetivos e as Nações Unidas exigiram a retirada das forças israelenses”, resume Mayssoun Sukarieh, professor de estudos do Oriente Médio no King’s College London, no Reino Unido.
As origens do conflito
Milhares de refugiados e civis foram mortos indiscriminadamente no massacre de Sabra e Shatila durante a invasão de 1982.
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Pode-se dizer que o atual conflito entre Hezbollah e Israel no sul do Líbano, como muitos outros que acometem a região, tem as suas origens na “nakba” ou “a catástrofe palestina”.
Este foi um período histórico em que mais de 750 mil palestinos foram forçados a fugir ou acabaram expulsos de suas casas depois que Israel proclamou a sua independência do Mandato Britânico da Palestina em 14 de maio de 1948 e durante a Guerra Árabe-Israelense, que começou no dia seguinte e durou 15 meses.
Como resultado da “nakba”, mais de 100 mil palestinos, principalmente das áreas do norte do que era então conhecido como Palestina e Galileia, acabaram no Líbano. A eles juntaram-se outras ondas de refugiados que vieram de Jerusalém Oriental, da Cisjordânia e da Faixa de Gaza durante as subsequentes guerras árabe-israelenses que aconteceram em 1956 e 1967.
A partir do Acordo do Cairo em 1969, assinado pelo presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, e pelo chefe do exército libanês, os campos de refugiados ficaram sob o controle de um corpo da polícia militar palestina.
A OLP, que foi criada em 1964 com o objetivo de libertar os palestinos de Israel por meio da luta armada, estabeleceu uma espécie de Estado dentro do Líbano. Neste contexto, milhares de combatentes palestinos refugiaram-se e foram treinados em campos que estavam fora da jurisdição do exército libanês.
O governo do então primeiro-ministro de Israel, Menachem Begin, considerou que a presença de militantes da OLP representava um problema de segurança e decidiu agir em 1978 e depois em 1982.
A invasão israelense do Líbano em 1982 ocorreu em meio a uma sangrenta guerra civil desencadeada após um ataque das Falanges Libanesas, uma milícia cristã de direita aliada a Israel, contra um ônibus que transportava refugiados palestinos.
A guerra civil libanesa, que durou de 1975 a 1990, foi marcada por um aumento dos ataques palestinos contra alvos israelenses em todo o mundo. Um destes ataques, ocorrido em Londres, desencadearia a ira de Israel.
A invasão mais sangrenta até hoje
Tropas israelenses no oeste de Beirute em 14 de setembro de 1982.
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Após uma tentativa de assassinato do embaixador israelense em Londres, Menachem Begin deu início a uma invasão do Líbano no dia 6 de junho que levou o exército do país às ruas de Beirute. Por meio de uma operação terrestre, Israel tentava enfraquecer ou mesmo expulsar a OLP do Líbano.
Especialistas dizem que os líderes israelenses também procuraram impor o seu aliado Bachir Gemayel, chefe das Falanges Libanesas, como presidente do Líbano — e, assim, trazer a nação árabe para a esfera de influência de Israel.
Foram dois meses de batalhas e muita destruição até que um acordo foi assinado em agosto, no qual milhares de combatentes da OLP concordaram em deixar o país. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos garantiram a proteção da população civil libanesa após a evacuação das forças da OLP.
Até então, o plano israelense parecia ter sido bem sucedido.
Em 23 de agosto, Gemayel, o chefe das Falanges Libanesas, foi eleito presidente pelo parlamento do país para um mandato de seis anos.
Mas ele nunca assumiria a presidência.
Gemayel foi morto num ataque realizado no dia 14 de setembro, durante uma reunião de seu partido no bairro de Achrafieh, em Beirute.
Sabra e Shatila: um massacre contra refugiados palestinos
Dois dias após o assassinato de Gemayel, milícias cristãs apoiadas por Israel entraram em dois campos de refugiados em Beirute e massacraram um grande número de palestinos.
“A morte de Gemayel desencadeou a ira dos falangistas. Os israelenses cercaram os campos de Sabra e Shatila e deixaram as milícias das Falanges Libanesas entrarem e massacrarem todos que encontraram”, diz o professor Mayssoun Sukarieh.
Os falangistas entraram nos campos à noite, momento em que muitos dos refugiados dormiam, depois de lançarem sinalizadores para iluminar o local.
“Eles mataram famílias inteiras que dormiam. Alguns acordaram a tempo, começaram a chamar pelos outros e a gritar que os israelenses haviam chegado e estavam matando pessoas”, complementa Sukarieh.
Muitos buscaram abrigo na mesquita local. Mas os falangistas tomaram o prédio e assassinaram aqueles que lá estavam.
Neste episódio, também foram relatados casos de violência sexual contra mulheres palestinas. Uma enfermeira que trabalha no hospital Akka, perto de Chatila, disse à BBC que os falangistas fizeram disparos de forma indiscriminada.
“Uma criança me contou que os falangistas arrombaram a porta e atiraram em toda a família; ele foi o único sobrevivente”, disse ela.
Os militantes também sequestraram outras duas enfermeiras que trabalham no mesmo hospital. Uma delas conseguiu escapar e contou à imprensa que a colega havia sido estuprada antes de ser morta.
Estima-se que entre 2 mil e 3,5 mil pessoas morreram somente neste episódio sangrento.
“O que aconteceu foi horrível. Alguns chamam de massacre, outros argumentam que foi um genocídio”, diz Sukarieh.
Os israelenses retiraram-se do local três meses após o início da invasão, mas criaram uma zona-tampão dentro do Líbano.
Do lado libanês, cerca de 20 mil pessoas — a maioria civis — foram mortas. Do lado israelense, 654 soldados morreram.
Israel continuou a ocupar a maior parte do sul do Líbano até 3 de setembro de 1983, quando se retirou para o sul do rio Awali, devido ao aumento das baixas israelenses em ataques de guerrilheiros xiitas.
Nesse mesmo ano, o Ministro da Defesa de Israel durante o massacre, Ariel Sharon, teve que renunciar ao cargo após uma investigação feita no país sobre o que aconteceu no Líbano. Em 2001, Sharon seria eleito chefe do governo de Israel.
Um novo inimigo
Família de refugiados que conseguiu fugir dos combates entre guerrilheiros palestinos e militantes xiitas em 1982.
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Uma das consequências da grande invasão israelense no Líbano foi promover a criação do Hezbollah, dizem analistas.
Alguns líderes xiitas do Líbano queriam uma resposta militar à invasão e romperam com o Movimento Amal, um grupo político que se tornou uma das mais importantes milícias muçulmanas xiitas durante a Guerra Civil Libanesa (1975-1990).
Os rebeldes formaram um movimento militar xiita que recebeu apoio militar e logístico da Guarda Revolucionária Iraniana e foi denominado “Amal Islâmico”. Pouco depois, esta organização aliou-se a outros grupos e criou o Hezbollah.
A fundação do grupo mudaria o alvo das futuras invasões israelenses no Líbano.
“O objetivo inicial das invasões era livrar-se dos grupos paramilitares. Mas o que elas fizeram foi desencadear uma resistência mais severa contra Israel a partir do Amal e, mais tarde, com o Hezbollah”, avalia Vanessa Newby, especialista em Oriente Médio da Universidade de Leiden, na Holanda.
“Há um argumento que sugere que o aumento do uso da força simplesmente gerou uma resistência mais violenta por parte da população libanesa”, acrescenta ela.
Em abril de 1996, as forças israelenses atacaram pela primeira vez o novo inimigo, o Hezbollah, em resposta a uma série de ataques com foguetes feitas pelo grupo. Essa operação durou pouco mais de duas semanas.
Estima-se que, além de 13 combatentes do Hezbollah, cerca de 250 civis foram mortos no Líbano. Nesse ataque, não foram registradas mortes do lado israelense.
A operação foi limitada, mas as tensões entre Israel e o Hezbollah continuaram.
As Forças de Defesa de Israel (IDF) retiraram-se do sul do Líbano em 25 de maio de 2000 e, em junho, as Nações Unidas estabeleceram uma “Linha Azul”, ou uma fronteira não oficial entre o Líbano e Israel.
E esse vácuo deixado pelas FDI foi preenchido pelo Hezbollah.
A fracassada invasão do Líbano em 2006
Pessoas cobrem o rosto para lidar com cheiro de decomposição enquanto começam a remover os restos mortais dos milhares de refugiados palestinos que foram mortos no massacre de Sabra e Shatila.
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O Hezbollah nunca reconheceu a legitimidade da “Linha Azul” traçada pelas Nações Unidas. Para o grupo, Israel continuou a ocupar ilegalmente o território libanês.
Em 2006, o Hezbollah iniciou uma série de ataques com foguetes contra cidades israelenses.
Em 12 de julho, um grupo de combatentes do grupo cruzou a fronteira com Israel, atacou dois veículos militares, matou oito soldados e fez dois reféns.
A resposta israelense foi implacável e envolveu uma operação militar que incluiu o bloqueio e um intenso bombardeio de cidades, vilas, aeroportos, pontes e muitas outras estruturas importantes no Líbano.
A guerra durou 33 dias, durante os quais o Hezbollah também lançou uma saraivada de foguetes contra Israel.
Segundo dados oficiais, 1.191 pessoas morreram no Líbano, a maioria delas civis. Em Israel, 121 soldados e 44 civis foram mortos.
O Hezbollah ficou praticamente intacto.
A Comissão Winograd, criada pelo governo israelense para avaliar o resultado da guerra, concluiu em 2008 que a operação foi um fracasso e que Israel tinha iniciado “uma longa guerra, que terminou sem uma vitória militar clara”.
O conflito atual
Forças de Israel fazem nova onda de bombardeios contra o Líbano
Quase duas décadas depois, Israel lançou outra invasão que o governo classifica como “limitada, localizada e direcionada” no sul do Líbano contra alvos do Hezbollah.
Mas as evidências mostram que este não é o caso. As FDI desencadearam uma campanha aérea implacável sobre o Líbano, atingindo mais de 3,6 mil alvos ligados ao Hezbollah.
Para os analistas, esta é a operação aérea mais intensa dos últimos vinte anos. Os ataques conseguiram, entre diversos objetivos, matar Hassan Nasrallah, líder histórico do Hezbollah.
Até o momento, outras 1,4 mil pessoas foram mortas e 900 mil foram deslocadas desde que Israel iniciou a sua operação transfronteiriça, de acordo com o governo libanês.
A analista Vanessa Newby acredita que a mais recente invasão israelense poderá desencadear uma guerra mais ampla no Oriente Médio.
Mayssoun Sukarieh, por sua vez, tem dúvidas sobre se Israel conseguirá erradicar o Hezbollah, como planejado.
“Ainda é muito cedo para saber se esse objetivo será alcançado”, acredita ele.

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