Trans que mudaram nome social falam em sofrimento quando perguntados sobre nome antigo: ‘rude’


No primeiro semestre deste ano foi registrado o 2° maior número de mudança de nome e sexo em Cartório de Registro Civil no Estado de São Paulo. Retificação do nome é considerada ‘como o encontro de um novo lar’ para pessoas trans da Baixada Santista, no litoral de SP
Arquivo Pessoal
Mais do que reconhecimento, a retificação do nome é considerada ‘como o encontro de um novo lar’ para as pessoas trans ouvidas pelo g1. No primeiro semestre de 2022, por exemplo, foi registrado o 2° maior número de mudança de nome e sexo em Cartório de Registro Civil no Estado de São Paulo, segundo levantamento divulgado pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen/SP).
O morador de Praia Grande, no litoral de São Paulo, Joakin Cirino de Carvalho Eloi, de 22 anos, afirmou ao g1 que, antes da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), não pensava em retificar o nome, mas enxergou a possibilidade da mudança como ‘uma validação do governo para a identidade das pessoas trans’, o que o motivou a escolher um nome para fazer a alteração. “Quando achei o nome que me identificava foi como encontrar um novo lar”.
“Eu ainda não tinha aceitação e validação no ambiente familiar e, na faculdade, eles não tinham um protocolo de uso do nome social. Quando pensava que ia me formar e meu diploma não ia vir com meu nome, isso me machucava bastante, então o que mais me motivou a retificar meus documentos foi essa validação que é incontestável”, disse.
Segundo Joakin, em determinados momentos ele preferia não ter nenhuma documentação que não mostrasse quem ele realmente é. “Antes da retificação eu não tinha nenhum documento que tivesse meu nome social, eu andava por aí me apresentando como Joakin, mas sempre que tinha necessidade de mostrar algum documento tinha que enfrentar o possível preconceito de ter que explicar que esse nome do documento não era o nome que me identifico”.
Com a nova documentação, Joakin vai aos lugares sem se preocupar com a forma como será recepcionado. “Eu não preciso nem pensar que algum dia eu fui chamado por outro nome. Antes, cheguei a encontrar algumas pessoas que se recusaram a me tratar pelo nome social”.
Joakin afirmou que, para fazer a retificação, precisava de um comprovante de residência, mas como não tinha, o pai fez uma declaração reconhecida em cartório para atestar que morava com ele. “Ao todo, gastei aproximadamente R$ 200 no processo e sou muito grato aos meus pais que me deram esse dinheiro”.
“Fiz minha retificação em 2021 e a mudança que eles fazem é só do prenome, que é como se chama legalmente o primeiro nome de alguém, então tudo que vem depois, como o sobrenome da família, você não pode mudar nesse processo”, explicou.
Segundo ele, uma pergunta que nunca deve ser feita para uma pessoa trans é qual era o nome antes da retificação. “É extremamente rude e desconfortável. Não tem nem um jeito de explicar para alguém que não seja trans como ou por qual razão isso não é uma coisa boa de se fazer”.
Para Joakin, a retificação foi a coisa mais importante que fez na vida. “Eu nem penso muito em como era minha vida antes. Às vezes nem parece que eu realmente tive uma vida antes, parece que foi há tanto tempo e não é só o nome que é reconhecido, é também a minha identidade, a minha pessoa”.
“Lembro que quando saí do cartório com a minha certidão em mãos, parei na esquina e pensei ‘eu existo, agora eu existo em todos os sentidos da palavra, e não tem ninguém que pode me tirar isso'”, finaliza.
Joakin Cirino de Carvalho Eloi, de 22 anos, disse ao g1 que fez a retificação em 2021 e sensação é de ter encontrado ‘um novo lar’
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Sem margem para desrespeito
O publicitário Benjamin Silveira de Castro, de 24 anos, afirmou ao g1 que queria se sentir mais confortável em como se apresentar às pessoas em locais em que é necessário apresentação de documento e, por isso, optou pelo processo. “Com a retificação não haveria margem para desrespeito já que, legalmente, eu teria o meu nome”.
Para Benjamin, após a retificação ele passou a cuidar melhor da saúde e aumentou ainda mais a independência. “Minha autoestima e confiança aumentaram muito. Minhas ansiedades em buscar serviços ligados à apresentação de documentos como consultas médicas diminuiu muito”.
“Fiquei mais confiante de me apresentar em todos os lugares enquanto eu mesmo e isso me fez mais aparente enquanto uma pessoa trans”, disse.
O morador de São Vicente afirmou que fez a retificação há dois anos e frisou que não se deve questionar aos trans o nome antes da retificação, pois isso abre margem para as pessoas o destratarem de propósito utilizando o ‘nome morto’. “Não responder vai educando a sociedade meio indiretamente de que não se pergunta esse tipo de coisa, por mais curioso que você esteja”.
“Aumentou a minha confiança, minha autoestima, minha saúde mental, meus relacionamentos comigo e com os outros. Literalmente renasci com a minha retificação”, disse.
Benjamin Silveira de Castro, de 24 anos, contou que a autoestima mudou após fazer a retificação do nome
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Levantamento
Segundo dados da Arpen/SP, no primeiro semestre de 2022 foram 542 alterações, o que equivale a 23,5% a mais do que as 439 mudanças no período anterior.
Os dados do ano passado foram 0,6% menores do que as 545 mudanças de 2019, ano em que foi possível contabilizar o primeiro semestre de atos, uma vez que a decisão do STF passou a valer em junho de 2018.
Processo
Para realizar o processo de alteração de gênero em nome nos Cartórios de Registro Civil é necessário a apresentação de todos os documentos pessoais, comprovante de endereço e as certidões dos distribuidores cíveis, criminais estaduais e federais do local de residência dos últimos cinco anos, bem como das certidões de execução criminal estadual e federal, dos Tabelionatos de Protesto e da Justiça do Trabalho. Uma entrevista é agendada posteriormente com o oficial de registro.
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