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SC vai eleger governador negro se um dia oportunidades não forem desleais, diz Vanessa da Rosa

Assumindo por um mês uma cadeira de deputada estadual após 89 anos sem uma mulher negra na Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina), Vanessa da Rosa (PT) encerrou o breve mandato de forma simbólica em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Horas após a saída do parlamento, o projeto de inclusão de cotas raciais em concursos públicos, protocolado por ela, foi arquivado, gerando sua revolta. “É um retrocesso”, resume.

Deputada do PT foi a segunda mulher negra a ocupar o cargo no Parlamento, em Santa Catarina – Foto: Vanessa da Rosa/Acervo Pessoal/Reprodução/ND

“O sentimento que fica é que ainda precisamos avançar muito em Santa Catarina! Lamentável a decisão dos deputados. É um retrocesso, uma incompreensão história e uma total desvalorização do povo negro. Não à toa levamos quase um século para ter uma segunda deputada negra”, lamenta.

Simbolismo e representatividade: a trajetória de Vanessa da Rosa

Há mais de 30 anos atuando como professora, Vanessa da Rosa recebeu 16.832 votos nas eleições de 2022 e, como primeira suplente do PT, assumiu a cadeira na Alesc por 30 dias, durante a licença do deputado Padre Pedro (PT). Vanessa foi a 2ª parlamentar negra na Alesc, a 1ª foi a também professora Antonieta de Barros, em 1934.

Em entrevista ao ND+, Vanessa da Rosa falou sobre os projetos de campanha que saíram do papel e dos avanços que ajudou a construir para a população negra em Santa Catarina, além da representatividade de sua atuação para futuros parlamentares negros.

ND | A senhora ficou um mês na Alesc e encerrou o seu mandato em uma data simbólica, no Dia da Consciência Negra. Nesse período, chegou a enfrentar alguma resistência, isolamento ou até mesmo discriminação, como misoginia ou preconceito racial dentro do parlamento?

V.R | “Esse mês de mandato foi extremamente gratificante, simbólico, foi um mandato histórico e eu me sinto muito honrada em poder dar continuidade ao legado de Antonieta de Barros. Como foi um período curto, 33 dias, posso dizer que eu não sofri nenhum tipo de isolamento, de discriminação.

Fui muito bem acolhida por todos, os funcionários da Assembleia de uma forma geral, os deputados. Eu não fui vítima de nenhum episódio de misoginia, nada nesse sentido, até por conta desse período curto que eu estive ali. Então não teve nenhum episódio que me causou algum tipo de constrangimento”.

Após Antonieta de Barros, Vanessa da Rosa fez história como a segunda deputada estadual negra a ocupar uma cadeira na Alesc – Foto: Vanessa da Rosa/Acervo Pessoal/Reprodução/ND

ND | Deputada, dos cinco projetos protocolados, três são para atender a população negra e a Alesc é majoritariamente branca e conservadora. Agora, sem a senhora no parlamento, quais as chances de essas iniciativas avançarem?

V.R | “Sim, dos cinco projetos protocolados, três são para atender a população negra. Eu tinha esse objetivo mesmo, entre as minhas pautas estava a defesa do povo negro, da educação e das mulheres, principalmente contra a violência às mulheres.

Então, eu protocolei três projetos, um que estabelece cotas no serviço público, 20% de reserva de cotas para pretos e pardos nos concursos da administração estadual direta e indireta, porque essa lei não é uma lei de agora, é uma lei de 2014 e Santa Catarina insiste em não colocar em prática. Isso é uma reparação histórica ao povo negro que merece e tem o direito de ter acesso aos concursos públicos de forma diferenciada.

Protocolei também o projeto sugerindo que dia 20 de novembro seja feriado estadual. Essa data já é comemorada, existe uma lei de 2011 que estabelece o dia 20 de novembro como Dia da Consciência Negra e em homenagem a Zumbi dos Palmares. Eu espero que Santa Catarina também reconheça a importância desta data, como um momento de reflexão.

Protocolei também um projeto para dar um aparato mais efetivo às empreendedoras e empreendedores negros. A gente precisa entender que em se tratando de empreendedorismo, é muito importante esse fomento para a população negra que está sempre à margem da formalidade do emprego, da ocupação.

Dessa forma, eu acho que consegui cumprir pelo menos um pouco do que apresentei durante a campanha das minhas pautas, que era sim fazer a defesa do povo negro tão visibilizado em Santa Catarina, tão sem voz das mulheres e da educação”.

Três dos cinco projetos protocolados pela deputada foram relacionados à políticas públicas para a população negra – Foto: Vanessa da Rosa/Acervo Pessoal/Reprodução/ND

ND | Vários estados e mais de mil cidades têm feriado no Dia da Consciência Negra, assim como atividades impulsionadas pelo poder público para celebrar o dia. Como a senhora avalia que essa data é celebrada em Santa Catarina? Existe certo ‘apagamento’ desse dia?

V.R | “Não sei se esse seria o termo correto, apagamento, mas o que eu vejo é que, quando chega novembro, todo mundo lembra, e as atividades acontecem nos quatro cantos do estado. Mas essa reflexão precisa acontecer durante o ano inteiro, principalmente nas escolas. As instituições de ensino têm obrigação de trabalhar a questão da valorização do povo negro na construção do país.

Esse trabalho precisa ser feito durante o ano todo para que no dia 20 de novembro aconteça a culminância desse trabalho e não chegar lá no dia 20 de novembro e fazer uma atividade específica para comemorar a questão da consciência negra.

Temos que promover a educação antirracista em todas as instâncias, em todas as instituições e a gente tem que combater o racismo. Todas as organizações do Estado e instituições privadas têm por obrigação o combate ao racismo.

O Brasil ainda apresenta casos frequentes de situações racistas e esse é um mal que precisa ser combatido por toda a sociedade”.

ND | Em 2022, a Alesc não teve negros eleitos para deputado estadual, diferentemente nas Câmaras municipais. Por que é tão difícil um negro se eleger deputado em SC e como mudar esse cenário?

V.R | “A resposta está no nosso passado escravista. O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão. Nós vivemos um verdadeiro sistema escravista, onde esses negros foram deixados à própria sorte, sem nenhum tipo de políticas públicas que garantissem os seus direitos fundamentais. Os resquícios disso ainda estão muito presentes na nossa sociedade.

São os negros que têm os piores índices quando a gente fala de educação, saúde, moradia. O acesso às ocupações de maior prestígio ainda é muito difícil. Se a gente pensar que daquelas 11 milhões de mães solo, 7 milhões são mulheres negras, quais são as chances dessas mulheres estarem, por exemplo, em uma Assembleia Legislativa? Quais são as chances dessas mulheres conseguirem ser candidatas e mais, candidatas com chances de eleição? É muito difícil”.

ND | A senhora acredita que um dia SC poderá eleger um político negro ou negra como governador ou governadora, ou considera um sonho distante e até mesmo uma utopia?

Nota do editor: Abdon Batista é reivindicado por parte de historiadores como o primeiro e único governador negro de Santa Catarina ao assumir interinamente a presidência da província catarinense (atual cargo de governador), mas ele não assumiu por eleição popular.

V.R |Nós somos 51,1% de mulheres no Brasil. Desses 51,1% de mulheres, 28% são mulheres negras. Desses 28% de mulheres negras, 65% estão no serviço doméstico ainda em 2023, ainda em pleno século 21. É muito difícil estar nesses espaços, alçar esses espaços tanto para as mulheres negras quanto para os homens negros.

Enquanto nós não tivermos políticas públicas reparatórias, ações afirmativas que deem amparo a essa população, sempre vamos ter dificuldade de eleger, de ter jovens, mulheres e homens negros sendo candidatos e, consequentemente, não vamos elegê-los, porque a concorrência é desleal.

O nosso povo preto, tanto em Santa Catarina como no Brasil de uma forma geral, ainda é a maioria da população quando se fala de vulnerabilidade social. Precisamos mudar esse quadro para que, futuramente, nós tenhamos mais pretos e pretas nesse espaço tão importante que é o parlamento, que é o espaço do Legislativo, do Executivo.

Para que essas pessoas, futuramente, consigam alçar esses espaços para que, tanto negros e negras, como a sociedade de uma forma geral, se sinta representada. Que a diversidade esteja no parlamento, porque o Brasil é um país tão diverso”.

ND | É comum ver no movimento de esquerda de Santa Catarina e do Brasil as lideranças serem brancas, assim como acontece nos movimentos de direita. Por que isso acontece?

V.R |Porque é o povo branco que tem mais acesso a uma educação de qualidade, moradia, saúde, embora 56% da população do Brasil seja composta de pretos e pardos, ainda é o povo branco que dentro do seu privilégio branco consegue ter acesso às ocupações de maior prestígio, porque consequentemente também dentro do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), são eles que têm os maiores índices, são eles que estão recebendo a melhor educação, são eles que estão tendo acesso à saúde de qualidade, a moradia digna, consequentemente, eles são as lideranças, tanto de esquerda quanto de direita.

Tudo isso é uma bola de neve que, se nós não nos conscientizarmos de que temos sim um contingente de negros e negras que está à margem da sociedade, nós nunca vamos conseguir mudar esse quadro”.

ND | Mirando para a eleição de 2024, como o cenário se desenha para os candidatos negros em Santa Catarina?

V.R |Espero que cada vez mais nós possamos ter negros e negras que tenham condições, coragem e que ousem ser candidatos. Porque precisamos estar nesses espaços de poder e decisão, precisamos nos sentir bem representados. Espero muito que essa minha passagem pela Alesc sirva para potencializar mais mulheres e homens negros, e que eles sintam que é possível, que se nós tivermos a oportunidade a gente pode sim estar lá.

É fato que precisamos de formação política, de um financiamento diferenciado, inclusive de campanha, porque campanha é dispendiosa e para a gente concorrer em prol de igualdade, precisamos do recurso, de uma estrutura“.

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