Os desafios dos Policiais Penais e Agentes de Segurança Socioeducativos em SC

Profissionais são responsáveis pela segurança e vigilância dos estabelecimentos penais, como prisões e centros de detenção – Foto: Divulgação/APPS SC

Da detenção ao encarceramento, ao longo dos séculos e ao redor do mundo, o sistema de punições existiu na forma de castigos corporais e de privação da liberdade. Segundo o filósofo francês Michel Foucault, os povos primitivos utilizavam a privação da liberdade para aplicar medidas punitivas.

Os castigos repressivos eram baseados nas mais variadas formas e a maneira de punir indivíduos por atos cometidos variava de acordo com a cultura e a civilização, até o surgimento das primeiras prisões.

Segundo a escritora e pesquisadora Elizabeth Misciasci, a primeira prisão criada com a proposta de recolher criminosos foi construída em 1550, em Londres, Inglaterra, com o nome de House of Correction (Casa da Correção, em tradução livre para o português).

Mas a privação da liberdade como pena foi aplicada no Direito somente em 1596, na Holanda, quando foi construído o Rasphuis, uma prisão para jovens do sexo masculino que praticavam atos criminosos.

Com o surgimento das prisões, a pena de morte foi caindo em desuso. Dessa forma, a privação da liberdade se tornou medida repressiva com caráter punitivo oficial e marcou o início de uma nova era para as prisões.

O sistema penitenciário no Brasil teve início com a concepção da Carta Régia de 8 de julho de 1796. O documento determinava a construção da Casa de Correção da Corte. Em 1834 começaram as construções da instituição no Rio de Janeiro, então capital do país e em 6 de julho de 1850 foi inaugurada  a primeira prisão do Brasil.

Os primeiros locais brasileiros com celas individuais surgiram no século 19. Por ser uma colônia portuguesa, o Brasil ainda não tinha um Código Penal e se submetia às Ordenações das Filipinas, conjunto de normas instituídas por Portugal, ainda no século 17.

A Constituição de 1824 determinou que os espaços destinados à reclusão separassem os apenados por tipo de crime. Já o Código Penal de 1890 possibilitou o estabelecimento de novas modalidades de prisão, considerando que não haveria mais penas perpétuas. O Código utilizado hoje no país foi criado em 1940 durante o governo do presidente Getúlio Vargas.

Aos indivíduos com idade inferior a 18 anos, aplica-se o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (2012), cuja vigência regulamentou as medidas socioeducativas dispostas no Estatuto da Criança e Adolescentes.

Atualmente, o Brasil reúne 1.381 presídios em todo o território nacional, segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional). São quase 655 mil pessoas no sistema carcerário brasileiro, composto por prisões federais e estaduais, masculinas e femininas.

O sistema socioeducativo apresenta 507 unidades de privação da liberdade para um total de 11.556 internos, segundo dados de 2023 do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo).

E dentro desse contexto há uma figura essencial para que essa gigante engrenagem funcione: a do policial penal e do agente de segurança socioeducativo. Os policiais penais, antes nomeados como agentes penitenciários, hoje estão inseridos na Constituição Federal no mesmo rol das demais polícias brasileiras, mas com atribuições específicas reguladas em lei.

Estes profissionais são responsáveis pela segurança e vigilância dos estabelecimentos penais, como prisões e centros de detenção, e desempenham um papel fundamental na manutenção da ordem e na promoção de um ambiente seguro dentro do sistema prisional. Suas principais funções incluem:

Vigilância e segurança: garantir a segurança dos internos, funcionários e visitantes, monitorando a entrada e saída de pessoas e a movimentação dentro das instalações.
Controle de conflitos: atuar em situações de tumulto ou desordem, utilizando técnicas de contenção e, quando necessário, intervenções mais rigorosas.
Inspeções: realizar inspeções regulares para identificar contrabando ou situações de risco, como a posse de objetos proibidos, por exemplo.
Apoio à reabilitação: colaborar com programas de ressocialização, apoiando a participação dos internos em atividades educativas e laborais.
Documentação: manter registros precisos sobre as atividades diárias, incidentes e a rotina dos internos, além de relatar situações irregulares.
Trabalho em equipe: colaborar com outros profissionais, como assistentes sociais e psicólogos para garantir o bem-estar dos internos.

A custódia prisional, na qual atuam os policiais penais, é tarefa multidisciplinar, está circunscrita à Lei de Execução Penal e tem como objetivo a reintegração social e a garantia dos direitos das pessoas que cumprem  medida penal, seja ela provisória ou condenatória.

Nesse contexto de trabalho compartilhado, a polícia penal realiza procedimentos de segurança do estabelecimento e das pessoas, como previsto no §5o-A. do art. 144 da Constituição Federal.

Já as equipes técnicas realizam processos para oferta das assistências às pessoas privadas de liberdade e contato com o mundo exterior, enquanto as equipes administrativas realizam atividades de funcionamento da infraestrutura e da burocracia de contratos, de pessoal, patrimonial, entre outros aspectos.

Já o agente de segurança socioeducativo é o profissional garantidor da ordem e segurança das unidades de privação de liberdade em que adolescentes e jovens de até 21 anos cumprem sentença imposta pelo juízo.

O nome do cargo indica a complexidade da função, exigindo a garantia da segurança nas unidades para que outros profissionais exerçam as atribuições técnicas a fim da reinserção social dos internos.

Tem como atribuição zelar pela disciplina dos internos, verificar as condições de segurança comportamental e estrutural, efetuar e controlar a movimentação nas unidades, bem como realizar escolta e custódia hospitalar.

A vigilância interna é concretizada pelos agentes, de forma a conter motins, impedir rebeliões e fugas. São responsáveis também pela vigilância externa e guarda de muralha, e coordenam intervenções em situações de emergência. Controlam a entrada e a saída de pessoas e, na segurança preventiva, atuam em núcleos de inteligência e contrainteligência.

Quantitativo de profissionais em atividade x número ideal

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Dados de 2023 mostram que cerca de  3.350 servidores atuam nos presídios e em atividades administrativas, mantendo o déficit de efetivo em cerca de 37% – Divulgação/APPS SC

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Dados de 2023 mostram que cerca de  3.350 servidores atuam nos presídios e em atividades administrativas, mantendo o déficit de efetivo em cerca de 37% – Divulgação/APPS SC

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Dados de 2023 mostram que cerca de  3.350 servidores atuam nos presídios e em atividades administrativas, mantendo o déficit de efetivo em cerca de 37% – Divulgação/APPS SC

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Dados de 2023 mostram que cerca de  3.350 servidores atuam nos presídios e em atividades administrativas, mantendo o déficit de efetivo em cerca de 37% – Divulgação/APPS SC

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Dados de 2023 mostram que cerca de  3.350 servidores atuam nos presídios e em atividades administrativas, mantendo o déficit de efetivo em cerca de 37% – Divulgação/APPS SC

Segundo dados divulgados em fevereiro deste ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, há quase 95 mil policiais penais responsáveis pela custódia de quase 645 mil presos nos sistemas prisionais dos estados em todo o país.

Ao mesmo tempo, um consenso de especialistas sugere que a proporção ideal desses agentes de segurança por número de presos seria a de um policial penal para cada 5 a 10 internos. Essa relação depende de diversos fatores, como a segurança do estabelecimento penal, o perfil dos presos e as políticas de ressocialização adotadas.

A realidade, porém, é que muitos locais no Brasil enfrentam superlotação e uma proporção inferior de policiais penais em relação ao número de internos, o que compromete a segurança, a efetividade do sistema penitenciário e o trabalho e bem-estar desses profissionais.

Santa Catarina tem uma população carcerária de cerca de 28,3 mil pessoas, segundo dados da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais) e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Isso significa que apenas 53 dos 295 municípios catarinenses possuem mais habitantes do que a população presa no Estado.

Já o sistema prisional catarinense tem 25,2 mil vagas em presídios, segundo dados do Sisdepen (Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional). Isso significa que há cerca de 3,1 mil presos a mais do que vagas, ou seja, aproximadamente 1,1 preso/vaga.

Os números do sistema socioeducativo catarinense se apresentam em conformidade quanto às vagas disponíveis, sem fila de espera; carece, no entanto, o quantitativo de servidores efetivos, sendo necessários aproximadamente o ingresso de 350 novos agentes efetivos para substituir os temporários que laboram no sistema e chegam ao número aproximado diposto na LCE 777/21 de 1100 agentes.

Assim, o sistema penitenciário e socioeducativo de Santa Catarina atua com um número de profissionais abaixo do ideal, segundo Alexandre Mendes, presidente da APPS-SC (Associação dos Policiais Penais e agentes de segurança socioeducativos do Estado de Santa Catarina).

Dados de 2023 mostram que cerca de  3.350 servidores atuam nos presídios e em atividades administrativas, mantendo o déficit de efetivo em cerca de 37%. Desta forma, o quantitativo disposto na Lei Complementar 774/2021 aponta que seriam necessários 5.100 policiais penais no Estado.

O cálculo é baseado em uma resolução fixada em 2009 pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), no qual o órgão afirma que a proporção média deve ser de ao menos um policial para cada cinco presos. Nesse contexto, os policiais penais atuam sob forte pressão, que leva a danos psicológicos e riscos à própria integridade física.

“Há a demanda do justo reconhecimento institucional frente à importância dos sistemas para a melhor segurança pública do país e a valorização salarial justa e correlata diante das atribuições e dificuldades enfrentadas por esses profissionais no ambiente laboral. Em média, são 30 anos de suas vidas dedicados ao serviço em unidades prisionais e socioeducativas, muitas em condições insalubres e superlotadas, o que agrava o risco já inerente à natureza do trabalho. Desses anos dedicados, a grande maioria perpassa por obstáculos de toda ordem, sobretudo adoecimento mental em virtude do exercício das atribuições”, argumenta Alexandre Mendes.

Para Mendes, a percepção que a sociedade tem sobre a imagem dos policiais penais vem se modificando paulatinamente.

“A sociedade ainda guarda a imagem do antigo carcereiro, seja para os Policiais Penais ou para os Agentes de Segurança Socioeducativos que abrigam menores infratores. No entanto, diante dos resultados entregues no que tange a ordem pública nas ruas, efetivada pela segurança dos estabelecimentos prisionais/socioeducativos, essa imagem tem sido substituída ante o respeito enquanto Força de Segurança. É um trabalho uníssono, com atribuições operacionais e de gestão, cujas adversidades só serão mitigadas com a justa valorização institucional oriunda do executivo a qual almejamos e carecemos”, complementa ele.

Transtornos mentais são os principais motivos de afastamento dos profissionais

Segundo um relatório apresentado na Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina), a incidência de transtornos mentais é a principal causa de afastamento de policiais penais e agentes de segurança socioeducativos em Santa Catarina, atingindo 29% do total das licenças.

A pesquisa foi apresentada durante audiência pública sobre as condições de trabalho dos servidores da segurança. O levantamento foi realizado pelo médico do trabalho e pesquisador da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Roberto Carlos Ruiz, em parceria com policiais penais, entre os anos de 2018 e 2021.

De acordo com a pesquisa, a segunda causa que mais tira policiais penais do trabalho são as doenças do sistema osteomuscular (19%), doenças infecciosas (11%) e doenças do aparelho respiratório (7%).

Segundo estimativa do Estado, em 2021 foram gastos na SAP (Secretaria de Administração Prisional) R$ 23,1 milhões por conta dos afastamentos, considerando apenas servidores efetivos. No ano de 2018, o valor era de R$ 13,3 milhões.

“A gente espera que quem dirige o sistema tenha uma resposta mais inteligente e eficaz para amenizar o clima de tensão (que enfrenta o policial penal). Outra coisa que vimos foi que o número de profissionais é insuficiente”, destaca Ruiz, que ressaltou a importância do suporte para a saúde mental.

Uma pesquisa do NEB FGV-EAESP (Núcleo de Estudos da Burocracia da FGV) realizada no segundo semestre de 2020 e focada no impacto da pandemia da Covid-19 no trabalho dos policiais penais em todo o país, mostrou como a saúde mental desses profissionais tem sido negativamente impactada.

Cerca de 82% dos entrevistados afirmaram que após a  pandemia aumentou a tensão na relação cotidiana com os presos, com alterações na forma de interação com eles, quais sejam: ausência de contato físico e, consequentemente, distanciamento dos(as) presos(as).

As rotinas de cuidados pessoais e coletivos (uso de EPIs), a redução dos atendimentos e visitas familiares, a reorganização da rotina com interrupção das atividades socioeducativas, a sensação de estresse, medo e tensão nas relações com os(as) presos(as) e o sentimento de empatia com a situação dos(as) presos(as) da unidade foram seriamente prejudicadas e ainda causam reflexos, mesmo no período pós-pandêmico.

Como consequência direta, os policiais penais entrevistados, em torno de 74%, relataram o aumento dos sentimentos de medo e desesperança, além do maior estresse e da experiência de transtornos de ansiedade. Entretanto, somente 5 % dos entrevistados relataram terem recebido algum tipo de apoio institucional para lidarem com tais situações.

Diante de tamanhas lacunas de estrutura, profissionais e valorização das carreiras, aumenta a distância entre a polícia penal e os agentes de segurança socioeducativos em relação à sociedade, o que acaba por privilegiar o crime, a ausência das devidas punições e a ressocialização da população carcerária.

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