Caso Pavesi: STF cassa decisão que impedia prisão de médico condenado por morte e retirada ilegal de órgãos em MG


Decisão foi tomada depois de pedido do MPMG contra suspensão da execução da pena de 21 anos e 8 meses de reclusão aplicada em abril do ano passado. O Supremo Tribunal Federal (STF) cassou a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que impedia a prisão do médico condenado pela morte e retirada ilegal de órgãos do menino Paulo Veronesi Pavesi. Álvaro Ianhez, de 76 anos, foi condenado a 21 anos e 8 meses por homicídio duplamente qualificado.
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A decisão foi tomada após pedido do Ministério Público de Minas Gerais. Em maio de 2022, o MP entrou com uma medida contra uma decisão do Supremo Tribunal Federal que manteve suspensa a execução da pena de Ianhez. Em setembro, o MPF reiterou esse pedido.
A condenação do médico só foi efetivada em abril de 2022. Desde então, a defesa tem apresentado recursos para impedir a prisão. No dia 29 de abril, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu a liminar para que o médico possa responder em liberdade. A decisão foi dada pelo ministro Rogério Schietti Cruz.
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De acordo com o MPMG, a Reclamação ao STF foi feita por entender que, para não aplicar a pena dada pelo júri, o STJ “não poderia declarar, mesmo que indiretamente, a inconstitucionalidade da lei por seu órgão fracionário (Sexta Turma), ainda mais por meio de um instrumento como o habeas corpus”.
Os argumentos do MPMG foram acolhidos pelo ministro Ricardo Lewandowski, que cassou a decisão da Sexta Turma do STJ, nesta terça-feira (11).
Pedido feito ao STF
O médico foi condenado a 21 anos e oito meses de prisão em regime fechado no dia 19 de abril e teve o pedido da defesa de recorrer em liberdade negado devido à “gravidade do crime”, segundo o juiz que presidiu o tribunal. Ele não chegou a ser preso.
No pedido feito ao STF, para a suspensão da liminar e a imediata execução da pena, o MPMG argumentou que “a não execução, mesmo após duas décadas dos fatos, da pena imposta pelo Tribunal do Júri a médico que concorreu para o homicídio e extração de órgãos de uma criança afronta, em juízo retrospectivo, a memória da vítima e a dignidade de seus familiares, e, em juízo prospectivo, coloca em dúvida a credibilidade do Sistema Nacional de Transplantes (SNT)”.
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No Supremo, os argumentos apresentados pelo MPMG foram propostos pelo procurador-geral de Justiça Jarbas Soares Júnior, coordenador da Procuradoria de Justiça com atuação nos Tribunais Superiores, procurador de Justiça, Gregório Assagra, e coordenador da Unidade de Delitos contra a Vida da Procuradoria de Justiça com atuação nos Tribunais Superiores, promotor de Justiça Alderico de Carvalho Júnior.
A primeira análise realizada pelo Presidente do STF, Ministro Luiz Fux, no último dia 25 de maio, foi de que a decisão do STJ não trazia grave risco à ordem pública.
Sobre essa decisão, o Ministério Público Federal (MPF), aderindo aos argumentos apresentados pelo MPMG, interpôs no dia 30 de maio, agravo regimental subscrito pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, no qual pedia o reestabelecimento da decisão do juiz-presidente do Tribunal do Júri ou que a questão seja levada ao plenário do Supremo, para que seja debatida pelos demais ministros da Corte.
Médico Álvaro Ianhez foi condenado a 21 anos e 8 meses de prisão
Arquivo EPTV/ TV Globo
Defesa entende ‘direito’ em aguardar em liberdade
O advogado de Álvaro Ianhez, Luiz Chimicatti, afirmou no dia do julgamento que recorreu da decisão do júri e que entende que seria um direito do médico aguardar o recurso em liberdade.
“O dr. Álvaro foi julgado pelo tribunal do júri, e a pessoa só pode ser presa após sentença penal condenatória transitada e julgada, e neste caso não há trânsito em julgado. A defesa já recorreu da decisão dos jurados, então é um direito do dr. Álvaro aguardar o recurso em liberdade”, disse o advogado.
Ainda em abril, o Hospital Santa Elisa, em Jundiaí, suspendeu o médico Álvaro Ianhez dos atendimentos devido ao caso. O hospital informou que ele fazia parte do atendimento clínico e que não atuava na ala cirúrgia em função de coordenação.
Em vídeo divulgado após o julgamento nas redes sociais, o pai do menino, Paulo Pavesi, afirmou que acredita que o médico não será preso.
Condenação
Álvaro Ianhez, um dos médicos acusados pela morte e retirada ilegal de órgãos do menino Paulo Veronesi Pavesi, em abril de 2000, em Poços de Caldas, no Sul de Minas, foi condenado por homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e pelo fato de a vítima ter menos de 14 anos.
A pena é de 21 anos e oito meses de prisão em regime fechado (veja no vídeo acima).
A sentença foi proferida no dia 19 de abril. A sessão, no Tribunal do Júri, em Belo Horizonte, havia começado um dia antes.
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O pedido da defesa para que o réu pudesse recorrer em liberdade foi negado devido à “gravidade do crime”, segundo o juiz que presidiu o tribunal.
De acordo com da Justiça mineira, o magistrado Daniel Leite Chaves determinou na sentença a expedição da guia de execução provisória.
Segundo a denúncia do Ministério Público, Ianhez foi um dos médicos que causaram a morte da criança de 10 anos, que estava sendo atendida no hospital da Santa Casa de Misericórdia de Poços de Caldas depois de sofrer traumatismo craniano. O objetivo desses médicos, segundo o MP, era usar os órgãos de Pavesi em outros pacientes (leia detalhes sobre o caso mais abaixo).
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“Esse resultado é uma gota de alento em um mar de tanta dor, de tanta impunidade”, disse o promotor Giovani Avelar Vieira.
A defesa disse iria recorrer da decisão e que vai entrar com um pedido de habeas corpus para que ele responda em liberdade.
“Nós respeitamos a decisão mas ela é contrária à prova dos autos”, falou o advogado do médico, Luiz Chimicatti.
Depoimentos virtuais
O júri começou no dia 18 de abril com o depoimento da única testemunha de acusação, o pai do menino, Paulo Airton Pavesi. Depois, cinco testemunhas de defesa foram ouvidas.
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Por fim, foi a vez do interrogatório do réu. Todas as testemunhas e o réu foram ouvidos virtualmente.
Álvaro Ianhez estava em São Paulo, em endereço particular. Havia testemunhas de defesa em Poços de Caldas, Campinas (SP), Porto Alegre (RS) e Cruzília, no Sul de Minas. O pai de Pavesi estava em Milão, na Itália.
O julgamento foi retomado um dia depois com alegações da acusação e da defesa. A acusação abriu a fase de debates, falando por 1 hora e trinta minutos. Por volta das 10h40, a defesa iniciou as alegações. Ainda houve réplica e tréplica.
Em seguida, os jurados tomaram sua decisão. Quatro mulheres e três homens compunham o conselho de sentença.
O que diz a denúncia
Há exatamente 22 anos, o garoto deu entrada na Santa Casa, ainda com vida. Ele morreu dois dias depois, no dia 21 de abril, quando os médicos acusados atestaram sua morte encefálica.
“Essa foi uma das diversas irregularidades ocorridas no atendimento ao garoto, pois, como interessados no transplante de órgãos, havia vedação legal para que eles atuassem na constatação da morte do paciente”, informou o Ministério Público de Minas.
Segundo a denúncia do Ministério Público, Álvaro e outros acusados agiram com intenção de forjar e documentar a morte de Paulo Pavesi para a retirada ilegal de órgãos.
“Ele [Ianhez] é o médico responsável pela retirada dos órgãos. Ele era o médico que era o diretor da Santa Casa onde se fazia o transplante de órgãos. Ele é o dono da clínica onde era feito o transplante ilegal de rim”, disse o advogado da família, Dino Miraglia.
“Ele estava presente desde a hora que em que ele (Pavesi) foi transferido de um hospital para outro sem a menor necessidade e quando anestesiaram o menino pra fazer retirada de órgão. Se o menino estava com morte cerebral, para que anestesiou? Anestesiou porque não tinha morte cerebral. Se não tinha morte cerebral, não podia ter transplante”, completou o advogado.
O julgamento de Álvaro deveria ter ocorrido em outubro do ano passado, mas foi adiado após o médico dispensar os oito advogados que trabalhavam em sua defesa.
O processo dele foi desmembrado dos outros médicos acusados devido a um agravo que deveria ser julgado.
Em janeiro de 2021, outros dois médicos, José Luiz Gomes da Silva e José Luiz Bonfitto, foram condenados a 25 anos de prisão. Já Marcos Alexandre Pacheco da Fonseca foi absolvido pelo júri.
Caso Pavesi
O caso Pavesi ganhou repercussão nacional no ano 2002, quando os médicos José Luis Gomes da Silva, José Luis Bonfitto, Marco Alexandre Pacheco da Fonseca e Álvaro Ianhez foram denunciados pelo Ministério Público por homicídio qualificado de Paulo Veronesi Pavesi, que na época tinha 10 anos.
Paulinho Pavesi morreu aos 10 anos após cair, passar por cirurgia e ter os órgãos removidos
Paulo Pavesi/ Arquivo Pessoal
Conforme a Justiça, os quatro médicos teriam sido responsáveis por procedimentos incorretos na morte e remoção de órgãos do garoto, após ele cair de uma altura de 10 metros no prédio onde morava.
O exame que apontou a morte cerebral teria sido forjado, e o garoto ainda estaria vivo no momento da retirada dos órgãos.
Os quatro negam qualquer irregularidade, tanto nos exames quanto nos transplantes aos quais o garoto foi submetido. O caso foi desmembrado e transferido de Poços de Caldas para Belo Horizonte em agosto de 2014, a pedido do Ministério Público, para evitar a influência econômica e social dos médicos sobre os jurados.
Outros condenados
Outros três médicos acusados de participação no caso, Sérgio Poli Gaspar, Celso Roberto Frasson Scafi e Cláudio Rogério Carneiro Fernandes, chegaram a ser condenados em 1ª instância em 2014 por participação no caso.
A sentença foi anulada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais em maio de 2016, que entendeu que o caso deveria ter sido julgado por um júri popular, e o processo retornou para Poços de Caldas.
Em setembro de 2021, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal restaurou a sentença original que condenou os três médicos. Isto aconteceu porque, por 3 votos a 1, o STF decidiu que o crime de remoção de órgãos não deve ser julgado por júri popular, e sim, pela vara criminal responsável.
No recurso ao STF, o Ministério Público disse considerar que o caso é de competência da Vara Criminal e que, por isso, a condenação dos médicos era válida. O MP argumenta que o crime de remoção de órgãos é previsto na Lei de Transplantes, e que a morte deve ser vista como uma “consequência” no julgamento desse crime específico.
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