Deep nudes: fotos e vídeos são manipulados por IA para produzir conteúdo erótico


Somente em 2023, circularam pela internet quase 100 mil vídeos falsos; 99% têm mulheres como alvo. Esse tipo de violência também acontece no campo eleitoral. Candidatas são vítimas de deep nudes
Existe um tipo de violência contra a mulher que também acontece no campo eleitoral. Não importa se a candidata é de esquerda, de centro ou de direita. São os deep nudes ou fake nude: manipulações de fotos e vídeos por inteligência artificial para produzir conteúdo erótico. Somente em 2023, circularam pela internet quase 100 mil vídeos falsos. E o mais grave: 99% têm mulheres como alvo.
“Nojo. Eu nunca tinha olhado para fotos minhas desse jeito”, diz Tabata Amaral.
“Uma exposição na tentativa de diminuir a nossa capacidade. Uma foto que não é verdadeira”, afirma Loreny Caetano.
“Eu fiquei indignada com os ataques covardes que sofri”, conta Marina Helena.
“Está circulando uma foto que hoje já tem até nome para esse tipo de coisa”, diz Suéllen Rosim.
Juliana Cunha, diretora da SaferNet Brasil, explica o que são os deep nudes ou fake nude:
“É uma imagem, seja em vídeo ou foto, manipulada por tecnologias de inteligência artificial. Geralmente, o que se faz é usar o rosto da pessoa e colocá-la em uma cena onde ela está nua ou engajada em alguma atividade sexual”.
Candidata a vereadora no Rio de Janeiro pelo Podemos, Letícia Arsenio descobriu que 21 fotos e um vídeo das redes sociais dela tinham sido manipulados e postados em um site de pornografia. Eram falsas imagens dela nua.
“Eu acho que primeiro vem o choque, de você abrir ali um link e ver o seu rosto, ver o seu corpo. Por mais que não seja o meu corpo, é a minha imagem ali. Depois veio aquele desespero, né? Porque o link estava com um número de visualizações considerável quando eu abri”, conta diz Letícia Arsenio.
Segundo Juliana Cunha, hoje existem programas de deep fakes que produzem conteúdos e imagens muito realistas.
“A primeira coisa que eu penso é minha família. E, em segundo lugar, cara, eleição. Acho que a intenção é justamente queimar a pessoa, descredibilizar a pessoa, atacar o emocional. O próprio link estava lá: ‘candidata Letícia Arsênio’ e o meu número de campanha. Era um negócio extremamente direcionado para uma questão eleitoral”, conta Letícia.
Loreny Caetano, do Solidariedade, candidata à Prefeitura de Taubaté, município de São Paulo, também teve que se ver em imagens falsas.
“Não faz sentido viver em uma sociedade em que eles usam a nossa vida, a nossa imagem, os nossos corpos para nos diminuir na nossa competência, na nossa capacidade”, afirma Loreny Caetano.
A prefeita de Bauru e candidata à reeleição Suéllen Rosim, do PSD, passou pela mesma situação.
“Uma montagem que obviamente não vou exibir aqui para vocês, de uma mulher nua com o meu rosto. Em época de eleição, tem gente que acha que vale tudo, mas comigo não”, diz Suéllen Rosim.
Deep nudes: fotos e vídeos são manipulados por IA para produzir conteúdo erótico
Fantástico/ Reprodução
De acordo com Diogo Rais, juiz substituto do TRE-SP, desde o início das chamadas deep fakes, as mulheres foram as principais vítimas.
“Isso no ambiente eleitoral, mas também fora dele”, afirma.
Não importa o lado, o partido, a ideologia política. Nessas eleições, essa modalidade de violência foi usada contra as mulheres em geral. Mas por que essa estratégia específica de manipular as imagens das candidatas foi tão utilizada? Porque é tão mais fácil falar do corpo ou da sexualidade de uma mulher do que sobre suas propostas políticas.
“A competência da mulher fica atrás da aparência, porque o que está querendo ser dito aqui é que ela não tem essa competência, ou seja, que ela não deveria estar na política. Esse super uso da aparência da mulher como crítica é uma forma de exercer um poder violento sobre a mulher para que ela não tenha o próprio poder legitimado”, afirma a psicanalista Vera Iaconelli.
“Nenhum dos meus adversários teve imagens suas sexualizadas sendo circuladas. Então, não dá para dissociar do fato de eu ser mulher”, opina Tabata Amaral, do PSB, candidata à Prefeitura de São Paulo.
As duas candidatas à Prefeitura de São Paulo, Tabata Amaral, do PSB, e Marina Helena, do Partido Novo, também tiveram que se preocupar com a divulgação de imagens falsas.
“E eu acho que essa violência tão escrachada e nojenta é uma forma de se conectar rapidamente com o subconsciente das pessoas. Para lembrar: mulher é isso. Mulher serve quando é dessa forma sexualizada. E é para ridicularizar. É para que as pessoas não me ouçam”, afirma Tabata Amaral.
“Esses ataques, gente, têm um objetivo claro: manchar a minha reputação e enfraquecer a minha liderança política. Mas isso não vai me intimidar. Eu já tomei todas as medidas legais para garantir que esses crimes sejam devidamente investigados e que os responsáveis sejam punidos”, diz Marina Helena.
Todas as candidatas fizeram denúncias, procuraram a Polícia Federal e a Justiça Eleitoral.
Ana Carolina Raimundi, repórter: Produzir fake nude é crime?
Diogo Rais, juiz do TRE de São Paulo: É crime, sim. O artigo 216-B do Código Penal criminaliza o registro de intimidade sexual. Isso inclui quando a pessoa filma ou fotografa alguém em uma intimidade sexual. Criar um conteúdo como o deep nude, também pode se enquadrar nesse crime. Esse crime tem penalidade de detenção de dois meses a um ano. Isso na justiça comum. Mas não é só isso.
Repórter: Pode ser considerado crime eleitoral?
Diogo Rais: Sem dúvida. O Código Eleitoral também traz a criminalização daquele que se utiliza no âmbito da propaganda eleitoral de fatos sabidamente inverídicos. Ali, a penalidade vai de dois meses até um ano de detenção. Mas ela traz a possibilidade de agravar com um terço essa penalidade se se referir à discriminação de mulheres, por exemplo.
O Tribunal Superior Eleitoral proíbe expressamente o uso de deep fakes para favorecer ou prejudicar candidatos. Caso um candidato use imagens adulteradas por inteligência artificial contra seus adversários, ele pode ser acusado de abuso de poder. Assim, mesmo que o candidato assuma o cargo, ele pode ter o mandato cassado e ser considerado inelegível por oito anos.
Repórter: É possível chegar ao autor dessas fotos modificadas?
Diogo Rais, juiz: Sem dúvida. Toda conexão tem um número de protocolo. E, por mais que existam artifícios para maquiar esses números, ainda assim é possível encontrar.
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