No Sudão, combates se intensificam apesar de ‘trégua’; Médicos Sem Fronteira fazem alerta

Os dois lados que se enfrentam afirmam que entram em trégua, mas os combates continuam. Médicos Sem Fronteiras relatam situação caótica no Sudão
Os combates entre o exército do Sudão e os paramilitares se intensificaram nesta quinta-feira (27) na capital do país, Cartum, e na região de Darfur, apesar do cessar-fogo de três dias que termina na sexta-feira e que, segundo os militares, será prolongado por mais três.
Pouco antes do fim do cessar-fogo, à meia-noite desta quinta-feira no horário local (19h de Brasília), o exército anunciou a sua “prorrogação por mais 72 horas” em resposta a “uma iniciativa da Arábia Saudita e dos Estados Unidos”.
Até agora, as milícias das Forças de Apoio Rápido (FAR) não se pronunciaram sobre o assunto.
Alerta dos Médicos Sem Fronteiras
Os Médicos Sem Fronteira (MSF) divulgaram um vídeo sobre a situação de um hospital associado à organização em El Fasher.
Mohamed Gibreel Adam, o coordenador do projeto de atendimento, afirmou que a situação “é muito difícil, o acesso a tratamentos de saúde foi interrompido”.
Desde o começo da violência no Sudão, em 15 de abril, o MSF recebeu 410 pacientes feridos no hospital de El Fasher.
“Não há água, não há eletricidade. A falta de combustível atrapalha todos os serviços de salvamento de vidas. Por questões de segurança, o referenciamento de casos mais graves e o acesso a tratamento à noite não é possível por falta de segurança e impossibilidade de movimentação”, diz Adam.
Mulheres em pré-natal não conseguem ver médicos porque eles estão atendendo os casos mais graves, fazendo triagem e registro. Paciente recebem tratamento no chão e há outros no corredor, por falta de espaço.
As equipes aumentaram o número de leitos de 36 para 108, mas ainda não é suficiente.
Negociações para extensão da trégua
O exército havia indicado na noite de quarta-feira que havia concordado em enviar um representante a Juba, capital do Sudão do Sul, para discutir com os paramilitares uma possível extensão da trégua.
O chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, disse na quinta-feira que trabalha “ativamente” para prorrogar o cessar-fogo.
O cessar-fogo permitiu a evacuação de milhares de estrangeiros e sudaneses, apesar de não ter interrompido os combates, iniciados em 15 de abril.
Entenda o conflito
O conflito envolve as tropas do general Abdel Fatah al Burhan – que preside o país – e os paramilitares liderados pelo general Mohamed Hamdan Daglo.
Os dois generais que protagonizam o atual conflito acabaram com as expectativas de uma transição para a democracia quando se aliaram, em 2021, para tirar os civis do poder.
Porém, Burhan e Daglo entraram eles próprios em conflito por suas divergências sobre a integração dos paramilitares ao exército oficial.
De acordo com o Ministério da Saúde do Sudão, ao menos 512 pessoas morreram e 4.193 ficaram feridas em treze dias, mas o balanço real provavelmente é mais elevado.
Além da capital, a violência arrasa outras regiões do país, em particular na zona oeste de Darfur.
A Organização das Nações Unidas, que interrompeu suas operações após a morte de cinco trabalhadores humanitários, advertiu que não pode mais prestar auxílio em uma área onde “50 mil crianças sofrem de desnutrição grave”.
Êxodo maciço
Os combates provocaram uma fuga em massa e agravaram a crise em uma das nações mais pobres do mundo, que tem mais 45 milhões de habitantes.
Mais de 14 mil sudaneses e 2.000 cidadãos de outros países chegaram ao Egito desde o início dos combates, informou o Ministério das Relações Exteriores egípcio.
Nos últimos dias, governos estrangeiros organizaram operações terrestres, aéreas e marítimas para evacuar milhares de seus cidadãos.
As pessoas que permanecem no país enfrentam escassez de alimentos, falta d’água e de energia elétrica, além de cortes nas linhas de telefonia e de internet.
De acordo com o sindicato dos médicos, 14 hospitais foram bombardeados e outros 19 foram esvaziados por falta de material e funcionários ou porque os combatentes assumiram o controle de áreas próximas.
Fuga de prisões
Em meio ao cenário de caos, centenas de detentos fugiram de três prisões, incluindo o presídio de segurança máxima de Kober, onde estavam presos ex-funcionários de alto escalão do regime deposto de Omar al Bashir.
Entre os foragidos está um integrante do antigo governo que é procurado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), acusado de crimes contra a humanidade.
Ex-ditador transferido para hospital militar
Al Bashir, 79 anos, também estava na prisão, mas o exército anunciou na quarta-feira que ele foi transferido para um hospital militar antes do início dos combates “devido à sua condição de saúde”. A data da transferência não foi divulgada.
Al Bashir foi deposto pelo exército em abril de 2019, após grande pressão popular.

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