Ceperj: 27 mil pessoas que receberam salário em dinheiro do governo do RJ podem ter dificuldade na declaração de imposto de renda


De acordo com ex-funcionários, o governo não forneceu o comprovante de rendimentos dificultando que se declare o IR e leve pessoas à malha fina. Há relatos de que FGTS e INSS também não foram depositados. Ceperj
Reprodução/TV Globo
A pouco mais de um mês para a entrega da declaração do Imposto de Renda – o prazo se encerra no próximo 31 de maio – cerca de 27 mil pessoas que receberam dinheiro do governo do Rio de Janeiro podem ter problemas com a Receita Federal. Todos prestaram serviços para a Fundação Ceperj.
Durante o ano de 2022, os pagamentos foram feitos na boca do caixa, através de uma folha de pagamento secreta. As pessoas que prestaram serviço nunca receberam contracheque. Ex-funcionários afirmam que o governo não realizou o depósito do FGTS e do INSS desses contratados.
Procurado, o governo do RJ informou que “a Fundação Ceperj esclarece que, por se tratarem de informações de caráter pessoal, as solicitações das declarações de rendimentos dos servidores e colaboradores estão sendo feitas exclusivamente por meio de formulário disponibilizado na página inicial do site e entregues através do e-mail cadastrado ao preencher o pedido”.
O educador social Carlos Alberto Lobão trabalhou para o governo estadual em um dos programas que estavam vinculados ao pagamento, via Ceperj.
“Eu trabalhei lá de setembro de 2021 a julho de 2022, mas o projeto só foi encerrado em setembro de 2022. A gente não tinha contracheque, não passavam contracheque pra nós, a gente recebia na boca do caixa. Tem colegas meus que não conseguiram fazer a declaração porque, como eu falo, com alguns colegas, o nosso nome ainda está lá ligado ao processo na Justiça, como se nós estivéssemos fazendo parte de um processo de fraude”.
Uma funcionária, que não quis se identificar, mas que prestou serviços ao Ceperj está na mesma situação que o educador.
“Nesses meses eu pedi a todo mundo que trabalhava comigo, pedia quase toda semana e a gente não tinha acesso. Inclusive na época, eu precisei do contracheque para um aluguel e não consegui nada. Eu perdi a oportunidade de alugar uma casa porque eu não tinha acesso ao contracheque. Mesmo depois, até janeiro desse ano, eu ainda estava tentando contracheque. Eu nunca tive acesso”, disse.
Outra funcionária disse que depois de muito cobrar recebeu um contracheque, mas o valor informado era o dobro do que ganhou pelo serviço.
Alguns valores pagos são expressivos. O contratado que recebeu a maior quantia, por exemplo, teria que declarar à Receita Federal R$ 122.848 pagos por seis meses pelo governo do RJ.
Prestadores de serviços de programa como o Esporte Presente, Casa do Consumidor e Cidade Integrada reclamam que não receberam nenhum demonstrativo de pagamento.
O demonstrativo é uma obrigação legal e deveria ter sido emitido para todos os contratados até o dia 28 de fevereiro deste ano.
“Nesse caso, a gente não consegue saber se houve ou não retenção. A fonte pagadora deveria ter disponibilizado no prazo legal os informes de rendimento. Essa não disponibilização implica em infração à ordem tributária e é passiva de penalidade”, explicou Lucas Lazzarini, advogado especializado em Direito Tributário.
Para Lazzarini, os funcionários que não declararem os valores recebidos podem cair na malha fina da Receita Federal. Para se precaver, é necessário fazer uma comunicação oficial ao órgão federal.
“A Receita Federal precisa ter conhecimento desse ato infracional contra os contribuintes que deveriam ter recebido esses informes. Importante que fique claro que independente do Informe de rendimentos, que é uma obrigação da fonte pagadora, esse contribuinte precisa cumprir o seu dever de declarar, então, independente de ter recebido ou não, ele precisa por outros elementos, ainda que de forma chamada ou aproximada levar à autoridade fiscal por meio da sua declaração de ajuste leal à sua declaração de rendimentos recebidos do ano anterior”.
Alguns ex-funcionários do Ceperj reclamam que também não receberam os salários de julho e de agosto de 2022.
Além da contratação irregular, os ex-funcionários denunciam ainda que o governo não depositou os valores de FGTS e INSS, embora fossem informados que eram descontados.
“Tinha um desconto. E quando a gente questionou esse valor todo de desconto, eles falaram que era INSS. Essas coisas de salário, que costumam descontar. Só que quando passou o tempo, a gente saiu de lá e foi ver o extrato do INSS. Não tinha nada, não caiu nada desse valor. E não sabemos para onde foi esse dinheiro porque recebia na boca do caixa já com esse suposto desconto”, contou uma funcionária que pediu para ser identificada.
Não depositar valores de FGTS e de INSS pode configurar sonegação de contribuição previdenciária e apropriação indébita, como previsto pelo Código Penal.
O governo estadual informou que “todos os depósitos foram devidamente realizados. Houve uma falha no sistema e, por conta disso, os servidores que encontrarem alguma irregularidade devem entrar em contato com a ouvidoria do Ceperj”.
Uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontou que o governo do RJ gastou R$ 460,5 milhões com os projetos, via Ceperj, e encontrou irregularidades entre as 27 mil contratações, incluindo funcionários fantasmas.
Por causa dessas irregularidades, o Ministério Público Eleitoral denunciou o governador Cláudio Castro (PL) e o vice, Thiago Pampolha (União), por abuso de poder político e econômico, além do uso de folha de pagamento secreta.
O processo ainda será julgado pelo TRE-RJ e pode resultar na cassação da chapa do governador.
Segundo o governo do RJ, “as solicitações estão ocorrendo desde 07/03/2023 e foram amplamente divulgadas. Importante ressaltar que todos aqueles que solicitaram através do site já receberam o documento. Nossas listas são atualizadas diariamente e não há atrasos. Os pedidos não respondidos se deram em razão de preenchimento incorreto do formulário”.
Em nota, a Receita Federal informou que o empregador é responsável por fornecer o demonstrativo de rendimentos a seus funcionários.
A seguir, a nota na íntegra:
“A Superintendência da Receita Federal na 7ª Região Fiscal (RJ/ES) informa que é responsabilidade das empresas fornecer o Demonstrativo de Rendimentos a seus funcionários. Caso ele não seja disponibilizado, o contribuinte deve informar à Receita Federal, pois quem deixa de fornecer o demonstrativo, dentro do prazo fixado, ou o fornece com inexatidão, está sujeito ao pagamento de multa.
O contribuinte que fizer sua declaração de imposto de renda usando a declaração pré-preenchida terá apenas que conferir os valores ali informados com aqueles constantes do Demonstrativo de Rendimentos. É um simples espelhamento de informações. Mas o contribuinte que não recebeu o Demonstrativo de Rendimentos também pode e deve declarar seu Imposto de Renda. Nesse caso, ele precisará consultar os contracheques mensais para chegar aos valores totais do ano de trabalho.
É importante ressaltar que a falta do demonstrativo não exime o contribuinte de apresentar normalmente a declaração de imposto de renda até o prazo final fixado (este ano no dia 31 de maio), apresentando todas as informações que tiver”.

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